segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Diálogo

Conversa de domingo.

Você voltou. Depois de alguns anos, eu sei. Voltou ainda com o mesmo maldito brilho nos olhos - azuis. Modos de um lorde inglês. Mas em nada você me interessava. Nem mesmo o tom claro de seus cabelos chamava a minha atenção. Eu lhe disse antes da sua partida que sua beleza era morta. Você sorriu - com o sorriso que eu mostrava em minhas lutas internas - e apenas respondeu que vida não era algo que muito me interessava. Fui obrigada a sorrir também. Confirmações, apenas.
E hoje, seus olhos brilhavam mais ao admitir minha derrota. Maldito seja, projeto de príncipe.
- Você está apaixonada.
Inclinei o rosto, com um pequeno sorriso. Você sempre pensou que arrancaria verdades de mim fazendo comentários aleatórios.
- Estou?
E você sorriu como eu. Fingindo naturalidade naquela conversa altamente dispensável.
- Não finja que não está. Eu sei. Dá pra notar.
Apoiei os braços na mesa, e encarei seus olhos, que mais pareciam nublados como o dia lá fora.
- Vai dizer que meus olhos brilham como os seus só por mencionar um nome?
Respostas com novas perguntas são odiosas. Você sempre reclamava disso.
- Está pensativa demais, porque isso te incomoda. Incomoda ver que está sendo dominada por uma coisa que você julga...
- ... trágica, ridícula e enjoativamente doce. - Assenti com a cabeça, apenas sentenciando a frase por você. Levei o cigarro aos lábios e desviei os olhos. Percebi - por um segundo tardio - que tinha confirmado sua maldita teoria. Soltei a fumaça que arranhava minha garganta. Você quebrou o silêncio que não deveria estar ali.
- Não é errado. E não é trágico, nem ridículo. Paixão é algo muito bonito.
- E o que você sabe sobre paixão? - Arqueei a sobrancelha, num gesto acusador. Você sorriu outra vez. Incrível como a minha expressão estava grudada em seu rosto.
- Sei mais do que você imagina.
Fiz um aceno negativo com a cabeça. Você queria que eu dissesse. Queria que me rendesse. Redenção é uma palavra bela, mas não para mim. Eu não me renderia como você há muito tinha se rendido.
- Pode ser muito bonito, mas não é válido. Paixão é muito sentimental pro meu gosto. - Voltei a tragar. O seu copo permanecia vazio. E você me encarou, tentando arrancar meus segredos dos meus olhos.
- Deixe de ser racional um pouco. - Você pediu, como se implorasse. E eu neguei - assim como você negava meus cigarros.
- Você acha que tudo é muito fácil. Se não for correspondido, só arrumar outra paixão. - Desta vez, eu não sorri. Dei um último trago no cigarro que ainda queimava meus dedos e acendi outro. Você me olhou com pena. E eu quis apagar o cigarro nos seus olhos, para ver se o brilho se esvaia de uma vez.
- Você tem medo de se machucar?
Parecia uma pergunta feita por uma criança de cinco anos. Ou mais.
- Machucar? Eu sou machucada, coração.
Meu sorriso fez com que você segurasse minhas mãos, num gesto rápido que eu não esperava. E você pediu outra vez.
- Tente ser feliz. É só isso que eu te peço.
Desta vez, eu ri. Você nunca gostou do meu riso, me achava meio louca com ele. A verdade é que eu sempre fui louca, e você nunca quis admitir.
- Eu não desejo mais ser feliz. Já reparou que quanto mais você deseja algo, mais isso se afasta de você?
Desvencilhei minhas mãos das suas. Cinzas de cigarro marcavam seus dedos. Sua aliança cintilava. Seu silêncio foi a melhor resposta que poderia ter me dado.
- Não posso me render, quando não sei o que me espera. Não posso arriscar, quando tem algo valioso em tudo isso.
- Está apostando dinheiro por acaso? - Pensei ter ouvido ironia no tom de sua voz, mas não. Ainda me achava materialista.
- Dinheiro não me vale de nada, por favor. - Repliquei, como se você tivesse me ofendido profundamente. Mas dei um singelo sorriso antes de terminar a conversa. - Meu coração não precisa de mais decepções.
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