quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Bálsamo.

Os pulmões castigados pelo excesso de cigarro pareciam dilatar-se a cada suspiro, moendo as costelas. Úmidos e desfocados, os olhos não alertavam os obstáculos a frente. Dois passos e um estrondo. E ela rendera-se ao tombo, caído no chão imóvel. A água dos orbes lavava o rosto sujo pela verdade, a verdade amarga que lhe ecoava nos ouvidos. Vou me casar com ela. A ferida que obtivera na queda não lhe doía. O líquido rubro escorria lentamente pela pele límpida. Mas no íntimo, o coração encontrava-se em mil pedaços, e nadava num mar de sangue. E aquele sangue sim lhe imaculava. A dor da perda lhe incomodava mais do que qualquer uma semelhante. Cretina, insossa e rica, conseguira por fim tomar-lhe quem mais importava. Maldita fosse a outra e seu sangue puro. E o sangue que tanto amaldiçoara, fora o que ele escolhera para mesclar-se ao seu. Seremos um só, de um mesmo sangue. Não poderíamos ter feito nada igual.
A mão trêmula encontrou o rosto inexpressivo. Manchou-o. O ódio opaco parecia escorrer dos olhos, ao invés da dor cristalina de momentos antes. Flagelou o peito, arranhando e batendo com força; os berros faziam-se altos. Cerrados, os olhos sobressaiam-se contra as pálpebras rubras. Aquela cena martelaria em sua mente por dias, semanas, meses... Vou me casar.
- E não será com você, estúpida. Não será com você... – E mais uma vez, as lágrimas saltavam dos olhos incessantes. Tudo sempre tão dramático.
O vasto gramado abrigava apenas seu corpo no chão. Não se atreveria a mirar a casa ao longe. Ela emitia um estranho brilho que queimava as íris dilatadas. Focou o céu. Dele, minúsculas gotas caíam. Refrescavam, acalmavam como bálsamo. Rendida a seus sentimentos quebrados, ficou inerte. Suspiros cada vez mais profundos, seguidos de um pequeno soluço. Amargurada, satisfez-se deitada ali.
O céu colorido de forma estranha afastava as lamúrias, que eram tantas e todas direcionadas a um mesmo fato.
Mas ela quem havia procurado tudo aquilo.
Culpa. Lágrimas.
 Amaldiçoada fosse a união dos dois.


PS: O texto original tem um homem como principal. É apenas uma modificação de um texto meu, o qual, Wendy sequer participa.

domingo, 22 de novembro de 2009

Nobody.

Wendy,

Não adianta esconder tanta coisa se ninguém quer saber. Ninguém vai te segurar quando você cair. Não vai valer de nada derramar lágrimas. Não vai ter ninguém para te abraçar e dizer "calma, tudo ficará bem, eu estou com você". Não, ninguém estará.
Você não é merecedora de tal atenção, ninguém consegue te suportar! Existem algumas exceções. Mas não muda o fato que você não é especial. Pra ninguém.
Oh, doce Wendy, não vê? Você não é nada. Sempre foi assim. Vai permanecer esquecida.
Não há quem lhe diga coisas doces e nem "eu te amo". Ninguém te ama! Você é somente paixão passageira e curta na vida dos outros. Entenda que você não passa de um simples brinquedo. E que pode (vai) se quebrar.
Fique solitária até o fim dos dias. Não é preciso esforço para tal, já que não é especial na vida de ninguém. Não crie expectativas. Não há quem suporte esse seu jeito estúpido de ser. No fim, será somente você. Não terá mais forças para sonhar. Suas asas (já quebradas) não te levarão a lugar algum. Será só você.
Há muitas pessoas mais interessantes que você. Você não passa de lixo. Você é louca, precisa se tratar. Pare de chorar, não quero mais ouvir um soluço seu. Tudo o que vem de você, pequena Wendy, me enoja. Por mim, você estaria morta. E bem longe.
Morra, suma de uma vez. Eu não te quero mais aqui.
Ninguém mais quer.  

Stanley.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

K i l l.

Eu poderia escrever mais e mais mentiras. Mas não. Talvez seja apenas mais uma grande verdade que não deveria ser contada. O caso é que esta não é uma história só minha. É dele também.
Lembro-me que sempre fui atraída por ele. Eu procurava motivos para vê-lo. Gostava de ver as feridas que ele deixava em mim. A dor não me importava, desde que eu pudesse sentir. 
Cometi crimes. Sim, eu matei. Mas não para ver como o medo é  i n ú t i l  em tal momento, tampouco para ver sofrimento alheio. Foi por ele.
Não é insanidade. É apenas um gosto. Como tantos outros. Suas poucas letras formam poemas em minha cabeça. 
Em um determinado momento, matar não me atraia mais. Ele aparecia sempre nessas horas. Eu queria vê-lo, mas não nos outros. Não era mais tão interessante. Eu queria vê-lo em mim.
Foi aí que de fato, perdi um pouco de minha sanidade. Mas não por completo. Eu apenas deixo aflorar o meu lado que gosto mais. Talvez seja o meu lado verdadeiro, e o outro seja apenas uma  metáfora. Eu acho que é por ser tão devota a ele. O vermelho.
Sem intensidade, sem vida. Apenas puro e líquido. O vermelho que tanto deixei escorrer das mãos, o vermelho que manchei inúmeros corpos e tantas vezes precisei enxergar.
É apenas uma cor. Não, nada de "apenas". É a minha cor.   

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Não chore mais.

O canivete, com sua lâmina fina, jazia esquecido por cima da mesa. Ela desviou os olhos para a janela, mas o objeto encarava-a. Ela sentiu falta de sangue, do próprio sangue. Enterrou as unhas na palma da mão, num gesto desesperado a procura de controle. Suspirou, tão cansada. E decidiu-se por esquecer a dor (mas precisava sentir), para não chorar mais uma vez.
Apagou as luzes. Os dedos percorrendo os interruptores antes que a insanidade lhe subisse aos olhos. Num instante, tudo escuro. Ela sozinha. Outra vez.
Saiu rápido. Seus pés descalços em contato com o chão imundo, a cada passo. Cinzas de cigarro preenchiam o asfalto. Suas cinzas. Uma das cores favoritas.
Andou pouco. Tempo suficiente para chover. A pequena Wendy teve que voltar para casa, com seus olhos tão tristes. Arrastava-se. Não queria voltar.
A maçaneta da porta girou, e a vontade de sumir daquele antro do inferno dominou-a. O canivete permanecia ali. Chamando-a. Sempre tão fraca.
De súbito, apanhou o canivete. A pele imaculada pela lâmina abria, jorrando sangue. O vestido tão branco, manchava-se aos poucos de vermelho.
E os olhos? Lágrimas emolduravam os orbes avermelhados. Dos lábios secos, entoava uma canção. A dor não era carnal. Wendy cerrou os olhos opacos, queria dormir. Para não mais acordar.
Abriu-os uma vez depois. E não acordou.

domingo, 15 de novembro de 2009

Meu sacrifício.

Suportável. É uma palavra que me define, em partes. Não sou a mais amada do grupo de amigos, tampouco a que mais faz falta. As pessoas, no geral, conversam comigo pouco e eu também não faço questão de prolongar diálogos que não me levarão a lugar nenhum. Só com quem desperta meu interesse. E são poucos, os que conseguem. Eu diria mínimos.
Talvez seja um erro, mas eu (não mais) me sacrifico pelos outros. Já corri ao encontro de amigos que precisaram de consolo, não importando hora nem lugar. Cancelei festas, mudei o modo de vestir para agradar alguém. Mas ninguém notava. Ora, eu não esperava agradecimentos de Oscar, mas demonstrar que o que eu fiz valeu de algo, seria bom. Eu me sentia muito mais inútil quando constava que o meu esforço não havia surtido nenhum efeito.
Depois de várias vezes, eu parei. Simplesmente parei. Não me importo mais, eu estou cansada de ser um amor por fora e cair aos pedaços por dentro. Não há vantagem alguma nisso. Eu só consigo me quebrar mais ainda. Não tenho um jeito especial, não sou como as meninas normais que amam cor-de-rosa e se declaram aos quatro ventos para o primeiro babaca que aparece. Eu sou um monstro, por assim dizer. A arrogância e descaso de sempre, eu não perdi. E nem vou descartar. Quando estava mudando pra melhor, a maldita luz me cegou e me deixou pior. Continuo assim, por hora.