terça-feira, 17 de novembro de 2009

Não chore mais.

O canivete, com sua lâmina fina, jazia esquecido por cima da mesa. Ela desviou os olhos para a janela, mas o objeto encarava-a. Ela sentiu falta de sangue, do próprio sangue. Enterrou as unhas na palma da mão, num gesto desesperado a procura de controle. Suspirou, tão cansada. E decidiu-se por esquecer a dor (mas precisava sentir), para não chorar mais uma vez.
Apagou as luzes. Os dedos percorrendo os interruptores antes que a insanidade lhe subisse aos olhos. Num instante, tudo escuro. Ela sozinha. Outra vez.
Saiu rápido. Seus pés descalços em contato com o chão imundo, a cada passo. Cinzas de cigarro preenchiam o asfalto. Suas cinzas. Uma das cores favoritas.
Andou pouco. Tempo suficiente para chover. A pequena Wendy teve que voltar para casa, com seus olhos tão tristes. Arrastava-se. Não queria voltar.
A maçaneta da porta girou, e a vontade de sumir daquele antro do inferno dominou-a. O canivete permanecia ali. Chamando-a. Sempre tão fraca.
De súbito, apanhou o canivete. A pele imaculada pela lâmina abria, jorrando sangue. O vestido tão branco, manchava-se aos poucos de vermelho.
E os olhos? Lágrimas emolduravam os orbes avermelhados. Dos lábios secos, entoava uma canção. A dor não era carnal. Wendy cerrou os olhos opacos, queria dormir. Para não mais acordar.
Abriu-os uma vez depois. E não acordou.